Certa vez, saindo de uma reunião, um colega perguntou: Fabi, porque não desistir das pessoas que trabalham contigo?

“Para conseguir responder está pergunta, preciso fazer memória de três grandes momentos marcantes em minha vida.

Quando eu tinha apenas dois dias de vida, minha mãe faleceu. Pode parecer uma história triste, mas hoje olho para trás e enxergo o quanto fui amada, desejada e acolhida. Meu pai não tinha condições psicológicas e nem financeiras para cuidar de mim e da minha irmã. Diante disso, meu avô materno, senhor Otacílio (que já não está entre nós) teve que escolher entre chorar o luto de sua filha ou arregaçar as mangas para nos criar. Ele nos escolheu, nos acolheu e não desistiu de nós! Cresci com a certeza que ele não desistiu de mim, nem um segundo se quer. Eu o chamava de pai e sou grata por todo o carinho.

Fui educanda das Obras Educativas desde bebê e tenho orgulho em dizer que passei por todas as salas da unidade Jardim Felicidade. Digo isso, para compartilhar a memória da minha adolescência quando conheci o Robson, professor de teatro. Eu tinha uns 10 anos e logo tive a certeza que íamos nos dar muito bem. Ele me passa uma paz tão grande, fora do comum! No teatro aprendi a me expressar, a ler livros (eu não gostava) e a gostar ainda mais das pessoas. Principalmente daquelas que conviviam comigo todos os dias, mas eu não tinha a coragem de dizer o quanto eram importantes na minha vida. Como pode uma pessoa atravessar Belo Horizonte, saindo do bairro Cidade Jardim e vindo para o Felicidade, e me enxergar no meio de 50 adolescentes no palco? Sim, ele me enxergou! Com o olhar atento abraçou as minhas angustias e vibrou com as minhas conquistas, mesmo aquelas que parecem pequenas, como por exemplo: gravar um trecho do texto. Tiveram os momentos de puxão de orelha, feitos com muito cuidado e sempre que precisava. Me ajudando a perceber o que não estava legal e o que poderia fazer daquele momento para frente. Ele sempre me fez sentir um ser único, que requer cuidado, carinho e dedicação. Por várias vezes pensei em desistir do teatro e da escola, para poder ir trabalhar e ajudar financeiramente a minha família. Foi Robson que insistiu para que eu continuasse no teatro e na escola, não desistindo de mim e me apresentando os melhores caminhos. Mostrando que a arte vai além do teatro.

Finalizo contando um pouco da minha experiência no trabalho. Recordo de quando trabalhava em um restaurante próximo das Obras e reencontrei a Fernanda, com a pergunta que mudou a minha vida por completo: “Estou precisando de uma secretaria, você quer trabalhar comigo?”. Não pensei para responder que SIM, falei sem medo do futuro. Uma semana depois ela me ligou dizendo que faria uma entrevista comigo, fiz no mesmo dia e sai com a notícia de que trabalharia nas Obras. Mesmo ela precisando me ensinar tudo, afinal eu não sabia ligar o computador e muito menos fazer uma planilha de orçamento. Vi que mais uma vez alguém não desistiu de mim, não parou nas minhas limitações e me ajudou nas capacidades técnicas. Fui olhada como um ser, como uma pessoa aberta a aprender.

Acho que essas três memórias ajudam a responder à pergunta. Um dia desses me falaram da minha capacidade de olhar para o próximo e de amar a liberdade do outro. Fiquei pensando e conclui que eu só consigo ser assim porque me permiti viver e fazer a experiência, porque Ele não desistiu de mim.”

Fabiana Lacerda foi educanda na unidade Jardim Felicidade, participou do Centro Alvorada, das oficinas do Projeto Raio de Luz – BDMG Cultural e atualmente faz parte da equipe do grupo Obras Educativas Padre Giussani.